A formação do leitor literário

A obra O Reciclador de Palavras, de Barbara Parente, narra a história de Luiz, retirante cearense que encontra na reciclagem o sustento para a família deixada no sertão e descobre nos livros um novo sentido para a vida. A narrativa envolve o leitor de várias maneiras, a começar pela expectativa quanto ao destino do retirante em São Paulo: passados alguns meses de trabalhos esporádicos que nem sequer lhe garantem o sustento, Luiz vai conseguir vingar na megalópole? Depois, o leitor é cativado pela relação de afeto construída com o jovem André, que mora em frente a um dos locais onde Luiz busca materiais recicláveis. Vasculhando o lixo, o retirante encontra livros que lhe servem não apenas para reavivar o gosto pela leitura, como para ensinar crianças em situação de rua a ler e se encantar também com a literatura.

O poder transformador da leitura literária é um dos principais tópicos que podem ser observados na obra. Outros temas relevantes são a migração nordestina, a relação entre diferentes culturas e condições sociais, o olhar para pessoas em situação de pobreza e a preservação do meio ambiente. Do ponto de vista temático, pode-se levar em conta a experiência dos personagens e a vivência dos estudantes. Quanto a seus aspectos formais, o livro possibilita a análise dos elementos constitutivos de uma obra literária e explora o diálogo entre a narrativa e as colagens.

Um ponto marcante dos elementos visuais é o uso da técnica de colagem, em vez da ilustração convencional. Ao sobrepor fragmentos de imagens variadas que não parecem ter uma relação direta com o texto escrito, as colagens permitem apurar ainda mais a análise da relação entre essas duas linguagens. Em uma observação minuciosa, é possível identificar que essa técnica é usada para remeter a elementos citados no texto, mas também para adicionar informações e, assim, ampliar a sensibilidade e a capacidade leitora.

Com curta extensão e poucos personagens, O Reciclador de Palavras se aproxima do gênero literário conto. Sua temporalidade, no entanto, é mais dilatada, diferentemente do que se costuma entender por conto típico. Mas isso está longe de ser um senão. Como afirmam Wellek e Warren, a teoria moderna de gêneros “não limita o número de possíveis gêneros nem dita regras aos autores”, em oposição à teoria clássica, de feição normativa. Em outras palavras, a pureza das características do gênero deixou de ser parâmetro de validação do texto literário.

Um dos temas que se destacam na obra é O mundo natural e social, evidente sobretudo no choque vivido por Luiz ao chegar a São Paulo e se deparar com uma paisagem, um clima e um modo de vida bem diferentes de tudo que conhecia. Para ele, mais sentida do que a frieza do tempo é a frieza das interações humanas, que resulta em sua invisibilidade social. Ainda assim, em um cenário hostil, o retirante encontra empatia e afeto no jovem André e nas crianças a quem ensina a ler.

Entrelaçado a esse eixo temático está o tema Encontros com a diferença, que marca a relação entre Luiz e André. O primeiro é um migrante sertanejo; o segundo, um estudante urbano. Mas esses contrastes sociais e culturais não os afastam. André se mostra interessado em conhecer a vida e a rotina de Luiz, a quem trata com respeito e simpatia.